Sentir
e viver a cidade pelo transporte público
Sociedade
nem sempre se dá conta, mas a sensação de bem estar numa cidade também se deve
às condições visuais da frota e pinturas condizentes
ADAMO BAZANI – CBN
Em meio a tanta poluição,
congestionamentos, construções cada vez mais próximas umas das outras, túneis,
pilastras, elevados, etc, é cada vez mais importante
pensar na sensação de bem estar nas cidades.
Apesar de terem relação, o bem estar
propriamente dito e a sensação de bem estar são elementos diferentes, mas cada
qual com sua importância.
Uma cidade oferece bem estar quando propicia aos moradores, trabalhadores,
estudantes e visitantes, o que é essencial para a vida e as atividades do dia a
dia: segurança, serviços de saúde, iluminação, saneamento básico, equipamentos
de educação, transporte de qualidade, vias transitáveis, entre outros aspectos.
Sem eles, é impossível ter a sensação de bem estar.
No entanto, só com estes elementos nem
sempre é possível ter bem estar.
E neste aspecto, algo que não é muito
levado em consideração pelas políticas públicas, é a busca pela beleza e
conforto nas cidades.
Isso mesmo, as cidades precisam ser
bonitas. As cidades precisam ser vividas e sentidas pelos cidadãos.
Claro que numa situação na qual as áreas
urbanas sequer oferecem o básico para a população, falar em cidades bonitas,
com visual agradável, parece algo com relevância menor. Mas não é.
Estudos realizados em cidades com alto
grau de desenvolvimento na Europa e na Ásia mostram que por mais que tenham
equipamentos e serviços de qualidade à disposição, nem sempre as pessoas se
sentem completas onde vivem e sentem a necessidade de ambientes urbanos mais
acolhedores.
E quando alguém pensa em cidade, deve
levar em consideração não apenas praças, calçadões (que estão em falta no
espaço urbano brasileiro) e parques, mas todos os elementos que fazem parte da
paisagem urbana.
Entre eles, estão os ônibus. No dia a
dia, neste aspecto, eles passam quase desapercebidos. A imagem distorcida que
se tem dos ônibus é que são a de veículos grandes, que ocupam áreas nas ruas,
poluem, fazem barulho e servem apenas para levar pessoas de um lado para o
outro de qualquer jeito.
Mas imagine agora uma cidade sem ônibus
e com mais carros nas ruas? A cidade pode ter os mais belos parques e avenidas,
mas tudo será marcado por congestionamentos e pessoas estressadas presas no
trânsito.
Pense bem, uma cidade sem transporte
público é uma cidade morta, sem dinamismo. O carro de passeio deixou de ser
dinâmico há muito tempo.
Como fazem parte da paisagem urbana, os
ônibus precisam ter um visual qualificado, integrado ao ambiente onde estão
atuando.
Também parece assunto sem relevância
numa situação em que as cidades oferecem sistemas de transportes precários e
insuficientes. Mas também não é.
No contexto de que as pessoas precisam
não apenas sobreviver, mas viver nas cidades, não apenas ver, mas sentir as
cidades, a frota deve ser qualificada.
Mesmo que inconscientemente, as pessoas
absorvem boas ou más impressões de onde estão pela frota de transporte público.
O cidadão pode estar numa avenida
arborizada, ao longo de parques, praças, mas se de repente, ao lado passa um
ônibus sujo, mal conservado, que solta fumaça preta, com pintura desbotada, os
ganhos de bem estar deste ambiente são reduzidos.
O ônibus é parte da cidade e se ele está
mal conservado ou não tem um padrão visual condizente, dá impressão que esta
cidade trata com desleixo quem está nela.
Aliás, sobre o padrão visual dos ônibus,
há grandes erros cometidos em diversos municípios e regiões metropolitanas.
As pinturas muitas vezes têm mais
relação com cores de partidos políticos, simplificações para cortar custos ou
mesmo criações de profissionais de design que não entendem de transportes com a
própria história ou característica das cidades.
Aliás, até hoje há grupos que defendem
que as padronizações das pinturas dos ônibus tiraram a identidade que as
pessoas tinham com as empresas prestadoras de serviços de transportes,
dificultando a identificação de linhas, igualando o mau operador com o bom e
tirando o direito do passageiro, que é um consumidor, de saber quem está
“vendendo” a ele o serviço.
Para muitos, hoje os ônibus são da
prefeitura, do governo do estado e a empresa que opera bem não é reconhecida,
mas a que não presta um mau serviço fica de certa forma protegida.
A questão certamente divide opiniões.
Há quem diga que se cada empresa tiver
sua cor, a cidade visualmente pode ficar bagunçada. Mas os carros não têm suas
cores próprias? As casas, os estabelecimentos comerciais? Não parece
incoerência dizer que as várias cores dos ônibus podem criar uma poluição
visual se para diminuí-la os grafites coloridos em muros e espaços públicos
hoje são tidos como alternativas?
A infraestrutura dada ao transporte
coletivo também é outro elemento importante para a sensação de bem estar nas
cidades. Neste ponto, os corredores de ônibus BRT, se vierem com projeto
paisagístico de qualidade, podem contribuir muito.
Um corredor de ônibus pode abrigar área
ajardinada, ciclovia, espaço de descanso e convivência ao longo de seu
percurso.
Assim, investir em espaços de qualidade
para o transporte público é também aplicar recursos para as cidades serem mais
agradáveis.
Fazer com que as cidades ofereçam
sensação de bem-estar não é vender ilusões. Os serviços devem funcionar de
fato, não apenas o ônibus e a cidade serem bonitos. Mas sensação não pode ser
confundida com ilusão, está mais para o sentimento. E somos serem humanos,
temos de nos sentir bem.
Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes
Publicado em 15/06/2015