Passageiros dos transportes não são tratados
como consumidores
O erro é de todos os lados, de quem concede os
serviços, dos transportadores e dos clientes que não fazem valer seus direitos
ADAMO BAZANI – CBN
Neste último domingo, dia 15 de março de 2015, foi
relembrado o Dia Mundial do Consumidor e, durante esta semana que se inicia
várias atividades vão reforçar os direitos de quem paga, muitas vezes caro, por
um serviço ou produto.
Quando se fala em relação de consumo, logo as
pessoas pensam inicialmente em compra de
bens, em lojas, shoppings, etc. Mas todo o processo que envolve a aquisição de
um produto ou serviço, seja por pagamento direto, mensalidade, tributos,
tarifas ou taxas configura um ato de consumir.
Os serviços de transportes fazem parte deste
contexto.
Mas, desde que há sistemas de transportes no
Brasil, passando pelas primeiras ferrovias, ônibus jardineiras, bondes até os
atuais avançados sistemas de metrô e corredores de ônibus (muitas vezes nem tão
avançados assim), o passageiro é tratado como consumidor?
A resposta é simples: Definitivamente Não!.
É verdade que houve muitos avanços reais e
outros apenas na teoria.
Sabendo que hoje o setor de transportes é
altamente competitivo, já que em muitos casos pelo tempo de viagem e custo da
tarifa, muitas pessoas acham mais vantajoso se deslocar de moto e carro
particular, algumas (não muitas) empresas de ônibus tratam ou pelo menos tentam
olhar o passageiro como cliente.
Além de oferecerem um bom serviço, que não é
mérito e sim uma obrigação pelos quais os usuários pagantes arcam com os
custos, tais empresas de ônibus procuram interagir com a comunidade,
participando de atividades sociais, abrem canais de comunicação que vão além de
um telefone para anotar (e jogar fora depois) as reclamações e buscam oferecer
diferenciais, como orientar os motoristas e cobradores a se portarem com o mínimo
de civilidade para quem paga os seus salários.
Outras empresas adoram usar o termo cliente para
designar os passageiros. Mas ficam só no termo mesmo. Os ônibus são mal
conservados (novos ou velhos), o tempo de espera no ponto não é respeitado, o
itinerário não é cumprido e o motorista trabalha num ambiente pelo qual o
passageiro é considerado um fardo, uma carga que os obriga ao “difícil ato de
parar no ponto” ou ao “extremo sacrifício de não dirigir dando trancos e
freadas bruscas”.
Quem anda de trem ou metrô, na prática, se sente
menos consumidor ainda.
Você se sentiria bem numa loja, todo apertado,
exprimido, num calor intenso mesmo com ar condicionado e até se machucando de
tanta lotação, como ocorre com a linha 3 Vermelha do Metrô de São Paulo, só para
citar um exemplo?.
Você gostaria de ir a um restaurante, com
necessidade de comer, mas ficar num salão lotado esperando por um longo tempo
para ser atendido e receber como pretexto que o “fogão teve um problema
técnico”, como ocorre todos os dias praticamente com a CPTM – Companhia
Paulista de Trens Metropolitanos?
O restaurante, a loja, o shopping você pode
escolher outro. Mas no Brasil, os transportes urbanos e metropolitanos têm a
característica de monopólio nas prestações de serviços por linhas. Isso, no
entanto, não pode impedir que os passageiros sejam tratados com dignidade.
A culpa é de todos.
Inicialmente, pelo poder público que concede ou
mesmo opera as linhas.
Não há uma cobrança de fato por qualidade de
serviços. Se você atrasa um imposto, os juros e multas te penalizam. Mas se uma
empresa de ônibus ou de transporte ferroviário não cumpre sua obrigação básica,
a multa (quando é aplicada) é tão leve que vale a pena prestar um mau serviço,
sai mais barato para o operador.
Além disso, não se pode negar. As relações entre
alguns transportadores e poder público é de uma falta de transparência e uma
cumplicidade de dar vergonha! Em vários casos, quando se poderia estimular uma
certa concorrência, o poder público vendo vantagens econômicas pessoais a seus
gestores estimulam a volta dos monopólios de operação, dando não passos, mas
saltos para trás no que se considera uma relação de consumo moderna. Em Mauá, na
Grande São Paulo, duas empresas diferentes foram trocadas por um grupo
empresarial apenas. No Distrito Federal, uma licitação desenhada por
oportunistas advogados especializados em transportes desconfigurou um modelo
que poderia diminuir uma concentração maléfica nos serviços. Nestes dois
sistemas, estão sendo jogados ônibus novos nas ruas e os administradores
públicos enchem o peito com isso. Mas e daí? Ônibus novo é importante, mas não
é o fundamental. O essencial é pensar no modelo de operação, no sistema como um
todo, numa fiscalização de verdade e, acima de tudo, numa relação nada
promíscua entre as empresas e o poder público.
Os transportadores, em muitos casos, também têm
culpa. Deve ser frustrante para um bom empresário se esforçar, tentar prestar
um bom trabalho, e o outro, só porque tem relações políticas, conseguir até
mesmo mais lucro e áreas de concessão.
Muitos operadores de transportes lucram com a
ineficiência. E este modelo em todo o País tem de acabar.
Remuneração apenas por passageiro incita o
ônibus a andar abarrotado. Remuneração pelos gastos com combustíveis faz com
que seja até bom ficar parado no meio do trânsito e atrasar viagem.
Uma das palavras da moda para o funcionalismo
público é a tal “meritocracia”. Ué, porque os transportadores, por trilhos ou
ônibus, também não são remunerados pelo desempenho?
É verdade que existem ocorrências externas que
muitas vezes impedem o bom andamento do serviço de transportes: trânsito,
manifestações, alagamentos, chuva, acidentes, etc.
Mas muitos operadores adoram usar estes motivos,
que são reais, como muletas para justificar a ineficiência.
A comparação não é absurda porque transporte é
uma prestação de serviço ao consumidor: Se num restaurante falta bife, o dono
não manda o cliente ficar esperando vir ovos. Ele dá o jeito dele para arranjar
o bife.
Com transportes não é tão fácil, mas com este
modelo que incentiva a ineficiência, o empresário não é obrigado a “dar seu
jeito” para colocar ônibus extras, intermediários ou criar esquemas
operacionais de emergência.
Claro que não pode ser generalizado. Há
empresários que fazem sim esquemas para minimizar transtornos aos passageiros,
mas não é regra de mercado.
Culpa também do passageiro. Uma porque muitos
também não agem com civilidade. Empurram e mal tratam o outro passageiro no
vagão (carro de modal metroferroviário destinado a transporte de pessoas) ou no
ônibus.
Não sabem sequer falar um bom dia ao motorista e
cobrador. Depredam, vandalizam, picham, sujam o carro do trem ou o ônibus e
quando há um problema, reclamam para o motorista, cobrador, agente de estação
ou o passageiro do lado que estão tão estressados que no fundo não estão nem aí
para o que ouvem.
E não vale o passageiro vir com desculpinha de
que não adianta reclamar. Adianta sim! Ou pelo menos ajuda.
Primeiro a reclamação deve ser feita com o poder
concedente. Se o poder concedente é viciado pelo dinheiro dos transportadores,
há Idec, Procon, Proteste, Ministério Público, imprensa … o que não pode é o
passageiro ficar quieto.
Este artigo tem dupla ação nos empresários de
ônibus. Aqueles que se esforçam e investem um bom dinheiro para prestar
serviços de qualidade, devem estar concordando.
Já a chiadeira deve vir por parte do mau
prestador que lucra com a ineficiência e prefere trocar o carro dos prefeitos e
dos secretários de transportes do que colocar mais carros bons nas linhas.
O Dia Mundial do Consumidor foi instituído pela
primeira vez no ano de 1962, pelo presidente dos Estados Unidos, John Kennedy,
como uma forma de dar proteção aos interesses dos consumidores americanos.
O presidente norte-americano ofereceu quatro
direitos fundamentais aos consumidores:
1 –
Direito à segurança
2 – Direito à informação
3 – Direito à escolha
4 – Direito à ser ouvido
Para finalizar, você passageiro, tem sido
atendido nestes direitos?
Adamo Bazani,
jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes